galeria das minas
20 de jul de 20193 min
Atualizado: 17 de ago de 2019
POR ELA MESMA
Quando eu era criança eu achava que a primeira gota da chuva sem-pre caía no meu nariz. Agora ela não cai mais.
Eu lembro de quando eu era pequena e eu saía correndo pro meu quarto chorando, deitava na cama soluçando e dizendo que quando eu crescesse todo mundo ia me levar a sério. Eu ainda não sou levada a sério. Agora eu nem quero mais ser.
Eu já quis ser tanta gente e tanta coisa. Já quis ser cantora, dançarina, violonista, já quis ser escritora, artista plástica, bióloga, arquiteta, oceanógrafa, cineasta. Já quis ser goldin, calle, mendieta. Já quis ser homem, adulta, alta, magra. Já quis ser gato, tartaruga, maçaneta. Hoje em dia eu só quero ser nada.
A gente é a geração mais conectada e eu não quero me conectar com ninguém.
Tô começando a perceber o quanto eu sempre tento registrar tudo. Desde menina, com os mil diários inacabados até agora. As fotos, tudo que eu escrevo, tudo que eu guardo. Eu ainda tenho provas da escola guardadas, guardanapos de lugares em que eu comi, pedrinhas, livros e livros cheios de anotações.
Eu sinto saudades de tudo. Saudades da infância, da felicidade, da tristeza, do café da esquina, da professora de biologia, das casas em que eu já morei, das camas em que já dormi, dos chãos em que já pisei, do segundo que passou. E tô sempre registrando tudo na tentativa de não sentir mais saudade das coisas mas o tiro sai pela culatra porque tudo isso me faz sentir mais saudade ainda. Eu sou viciada em sentir saudades.
Eu li que a solidão é um processo fisiológico, tipo fome. Só que fome de gente.
Tô sempre registrando tudo na tentativa de não sentir mais saudade das coisas mas o tiro sai pela culatra, porque tudo isso me faz sentir mais saudade ainda. Eu sou viciada em sentir saudades.
Quando eu era pequena no outono a gente comia tangerina no sol debaixo do cobertor. Tinha aquele sol frio, sol de tangerina. Minha mãe fazia a gente descascar a tangerina com um saquinho mas eu gostava de descascar sem nada mesmo porque a mão ficava com cheirinho de tangerina.
É tão estranho o passado ser passado se no passado ele era tão presente. Minha vida está sendo levada embora por areia. Eu fui me curvando e me curvando e me curvando e me curvando e me curvando e me curvando e me curvando e.
Mas enfim, tudo sempre volta pras tangerinas.
Eu não lembro de tudo que eu pensei na vida mas eu lembro que eu sempre pensei muito. Eu pensava que só criança chorava, que gente grande não chorava não. Agora eu sei que gente grande chora baixinho, escondido. Agora eu sei também que o chocolate e o salgadinho que a gente compra quando é adulto não tem o mesmo gosto de quando os nossos pais compravam.
Queria poder ter me tido por mais tempo mas o tempo me engoliu e eu não sei bem que lugar é esse que eu tô e não sei se eu gosto muito daqui, na maior parte do tempo me sinto perdida. Eu parei de roer unha também.
Eu lembro que eu ia pra frente do espelho toda vez que eu chorava só pra ver meus olhos ficando vermelhos e mais verdinhos e como era lindo e mágico as lágrimas se formando e a água vazando de mim, a mesma água que caía do céu e depois pingava no meu nariz.
Em qual nariz será que ela tá pingando agora?