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  • galeria das minas

ÀS ARTISTAS PERIFÉRICAS

Atualizado: 30 de ago. de 2019


POR HILLARY DA SILVA


Sem titulo, 2016. Fotografia analógica. 15x10 cm. Capa 2, série de fotografias em filme, feitas aos arredores do bairro real parque, região periférica de são josé/sc promovendo uma análise visual e ressignificação de espaços banais.


agora percebo onde iniciei meu contato com a arte: foi por causa dos meus avós por parte de mãe. Meu avô gostava de pintar coisas alucinantes em materiais que encontrava na rua; desde pedaços de madeira a janelas de banheiros. Antes de morrer ele fez um retrato meu em um pedaço de papelão. Já minha vó sempre gostou de crochê e fazia peças incríveis sozinha mesmo nunca enxergando muito bem e tendo mãos tremulas. Só soube de grande que a relação dos dois era complicada e tóxica, naquele esquema de casamentos de décadas onde o homem faz merda e a mulher aceita. De um jeito muito torto, os dois se completavam – e pode parecer estranho – mas isso era visível na decoração criativa e colorida que os dois produziam nas inúmeras casas que moraram durante suas vidas juntos. Detalhes esses que já desde criança me chamavam atenção – as cores e os objetos criados pelas mãos deles espalhadas pelos cômodos. Meus avós nasceram e morreram na miséria, mas faziam questão de sobreviver com o que amavam e isso é algo que só hoje depois de quase 10 anos após terem falecido é que percebo, admiro e me identifico incontestavelmente.


Sem título, 2016. Fotografia analógica. 15x10 cm. Capa 3, série de fotografias em filme, feitas aos arredores do bairro real parque, região periférica de são josé/sc promovendo uma análise visual e ressignificação de espaços banais.

Venho de família pobre e de sobrenome ordinário dos dois lados da família. Sou mulher branca, bissexual, periférica e artista graduanda em cinema de universidade pública. Entrei na faculdade através de cotas pra pessoas em situação socioeconômica vulnerável e oriundas de escola pública, não fosse isso não conquistaria meu espaço lá dentro. Dependo de bolsa permanência pra realizar meu sonho de concretizar os estudos e me inserir num mercado de trabalho artístico pouco valorizado, elitizado e difícil numa das capitais mais ricas e conservadoras do país: Florianópolis, Santa Catarina. Mas sigo tentando. Essa conquista foi há quatro anos, antes disso tudo era apenas um “e se...” enquanto assistia filmes na TV e fotografava com minha cybershot. Agora me encontro na reta final do curso e temendo meu futuro diante de um governo que tem como meta destruir os pilares que estavam em processo da construção cultural do país.


Sem título, 2016. Fotografia analógica. 15x10 cm. Capa 1, série de fotografias em filme, feitas aos arredores do bairro real parque, região periférica de são josé/sc promovendo uma análise visual e ressignificação de espaços banais.

Nascer pobre e escolher ser artista é decidir e aceitar o fato de que vai ser dez vezes mais difícil do que um(a) estudante vindo de família com suporte financeiro garantido. É entender que aprender vai ser um processo redobrado e muitos projetos vão ser quase impossíveis de serem realizados. É contornar os questionamentos familiares quando surgirem “Mas tem trabalho pra isso?” ou “Seja alguém na vida. Arte é coisa de gente rica”. É usar a criatividade quando uma ideia aparece em epifania e não se tem dinheiro pra realiza-la da forma que idealizou. É adquirir o hábito de não se comparar com o processo e a vida daquele(a) colega que tem tempo de se dedicar a um projeto e adquirir meios pra faze-lo bem. É conciliar a vida pessoal conturbada com os horários do dia pra comparecer e dedicar-se integralmente as aulas e projetos paralelos. É conseguir realizar uma obra que fale por si só sobre sua identidade sem fantasias e enfeites como aparecem na arte de gente grande.


Aqui a periferia é meu ateliê, meu cavalete com tela e estúdio audiovisual. Demorei muito pra reconhecer que esse espaço é meu suporte e minha fonte de criação. É a vivencia que insiro nas minhas aventuradas tentativas de criação, é minha identidade, minha torneira de autoconsciência, minha realidade. Só agora sinto vergonha por ter escondido isso de mim e do mundo por tanto tempo, mas nunca é tarde pra aprender e valorizar o espaço que somos inseridas pela inconsistência pontual da vida. Meu trabalho agora é abraçar meu processo e minhas vivencias dentro do afiado olhar sobre o feminino, processando-os em minhas criações, mostrando que existe um mundo longe do que se sabe, mas que se depara ao mesmo tempo muito perto do centro. Encontro minha metodologia pessoal através das possibilidades ao meu alcance, exercendo as matérias criativas que aprendi e continuo aprendendo pelas barreiras socioeconômicas que me ajudaram a reconhecer meu modo intuitivo de criar. Nada nem ninguém pode nos impedir de gerar e a parir a arte. E de nada importa o local de nascimento.



 

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